XI Exame de Ordem - Direito Civil: comentários à petição inicial da ação de despejo
Enunciado
Jorge,
professor de ensino fundamental, depois de longos 20 anos de magistério, poupou
quantia suficiente para comprar um pequeno imóvel à vista. Para tanto, procurou
Max com objetivo de adquirir o apartamento que ele colocara à venda na cidade
de Teresópolis/RJ.
Depois
de visitar o imóvel, tendo ficado satisfeito com o que lhe foi apresentado,
soube que este se encontrava ocupado por Miranda, que reside no imóvel na
qualidade de locatária há dois anos.
Jorge
firmou contrato de compra e venda por meio de documento devidamente registrado
no Registro de Imóveis, tendo adquirido sua propriedade e notificou a locatária
a respeito da sua saída.
Contudo,
ao tentar ingressar no imóvel, para sua surpresa, Miranda ali permanecia
instalada. Questionada, respondeu que não havia recebido qualquer notificação
de Max, que seu contrato foi concretizado com Max e que, em virtude disso,
somente devia satisfação a ele, dizendo, por fim, que dali só sairia a seu
pedido.
Indignado,
Jorge conta o ocorrido a Max, que diz lamentar a situação, acrescentando que
Miranda sempre foi uma locatária de trato difícil. Disse, por fim, que como
Jorge é o atual proprietário cabe a ele lidar com o problema, não tendo mais
qualquer responsabilidade sobre essa relação.
Com
isso, Jorge procura o advogado, que o orienta a denunciar o contrato de
locação, o que é feito ainda na mesma semana, mediante notificação extrajudicial,
certificada a entrega a Miranda.
Diante
da situação apresentada, na qualidade de advogado constituído por Jorge,
proponha a medida judicial adequada para a proteção dos interesses de seu
cliente para que adquira a posse do apartamento comprado, abordando todos os
aspectos de direito material e processual pertinentes.
Qual a ação
cabível?
Trata-se
de situação em que o adquirente (Jorge, novo proprietário) do bem imóvel
pretende retomá-lo do locatário, que firmou contrato de locação com o vendedor
(Max, antigo proprietário).
A
ação adequada é o despejo, pois a causa de pedir é o contrato de
locação de imóvel urbano, sujeito ao regime específico da Lei de Locações
(Lei 8.245/91).
Ainda
que a locação haja sido firmada com o antigo proprietário, o novo proprietário
fica sub-rogado nos direitos subjacentes à locação (sub-rogação legal), sucedendo-o,
de modo que pode mover ação de despejo. Ou seja, o novo proprietário é parte
legítima, desde que haja registrado a venda.
Neste
sentido já decidiu o TJ-SP:
“O adquirente
pode propor ação de despejo, pois a alienação do imóvel locado opera a
transferência ao adquirente da posição contratual de locador, por subrogação
legal”. (TJSP, 30ª
Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0144457-73.2010.8.26.0100)
Acrescente-se
a previsão do art. 5º da Lei 8.245/91, que reforça esta conclusão. Conforme o
dispositivo:
Art. 5º. “Seja qual for o fundamento do
término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.”
Embora
a lei seja clara ao mencionar que a ação do locador para reaver o imóvel é o despejo, é pacífico o
entendimento de que a expressão ”locador” se aplica também aos sucessores do
locador, como o adquirente do imóvel por contrato de compra e venda (na forma
do art. 8º da Lei 8.245/91). Assim entende, por exemplo, Theotônio Negrão
(conforme consultei na 45ª e mais recente edição de seu CPC).
Vale
destacar que o novo proprietário não está obrigado a respeitar o contrato de
locação, conforme o art. 8º da Lei 8.245/91, sendo este um dos mais relevantes
fundamentos da ação.
Leia-se,
a propósito, o art. 8º da Lei 8.245/91:
Art. 8º "Se o imóvel for alienado
durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de
noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e
o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver
averbado junto à matrícula do imóvel."
§ 1º "Idêntico direito terá o
promissário comprador e o promissário cessionário, em caráter irrevogável, com
imissão na posse do imóvel e título registrado junto à matrícula do mesmo."
§ 2º "A denúncia deverá ser exercitada
no prazo de noventa dias contados do registro da venda ou do compromisso,
presumindo - se, após esse prazo, a concordância na
manutenção da locação."
Caberia ação de
imissão na posse?
A
ação de imissão na posse é cabível àquele que pretende ter a posse que nunca
teve. Assim, se o sujeito jamais foi possuidor, poderá mover tal ação.
Acredito,
porém, que não caiba ação de imissão na posse.
O
principal argumento reside no art. 5º da Lei 8.245/91, que afasta qualquer
outra ação para tal pretensão. Vejam os comentários que fiz acima.
Se
a lei elege um meio específico (despejo), a via “alternativa” (imissão) se
torna inadequada.
Diferente
seria a situação caso Miranda ocupasse o bem a outro título (por exemplo,
comodatária), pois nesta situação não existiria anterior contrato de locação, o
que afastaria a via específica da Lei de Locações. Daí a solução residiria em
outra ação (que depende do caso concreto; a imissão é apenas uma
possibilidade).
Acontece que
existem precedentes do TJSP admitindo a ação de imissão na posse em casos como
este. Consultar: TJSP, 5ª Câmara de Direito
Privado, Apelação nº 0025972-05.2010.8.26.0007. Neste sentido, não é de se
estranhar eventual admissão desta medida pela banca examinadora.
É possível o pedido
de antecipação de tutela?
Conforme
o padrão de respostas divulgado pela OAB-FGV, o candidato deveria elaborar
pedido de antecipação de tutela com fundamento no art. 273 do CPC.
Após
muito refletir, eu discordo desta posição e afirmo que a banca examinadora não
poderá descontar pontos daqueles que não fizeram tal pedido.
Embora
seja realmente possível pedir a antecipação de tutela nas ações de despejo,
fundado o pedido no art. 273 do CPC (para além das hipóteses específicas de
liminar do art. 59 da Lei 8.245/91), tal pedido deve estar alinhado aos
requisitos legais, a saber:
1 – existência de prova
inequívoca que convença o juiz da verossimilhança da alegação; e
2 – fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação.
Embora
exista prova inequívoca do direito do autor, não existe, a meu ver, a urgência (fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação). O enunciado não fornece qualquer pista a
este respeito. Ora, se os requisitos são cumulativos (devem estar ambos
presentes), a existência de apenas um deles não basta para pleitear a medida!
Destaco,
adiante, os principais aspectos da peça.
Endereçamento
A
competência para este tipo de ação está no art. 58, II, da Lei 8.245/91, isto
é, o foro da situação do bem (salvo se houver foro de eleição, que não é o caso).
Então,
a ação deveria ser endereçada de seguinte forma: “Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ____ Vara Cível da
Comarca de Teresópolis-RJ”.
Autor
Jorge
(devidamente qualificado). O problema fornece a profissão do autor (professor),
que deve ser mencionada. As demais qualificações devem ser apenas apontadas,
sem menções específicas (nacionalidade..., endereço... etc.).
Réu
Miranda
(devidamente qualificada). Apontamentos sem menções específicas (profissão..., nacionalidade...,
endereço... etc.).
Fatos
Mencionar
os fatos relevantes descritos no enunciado, sem jamais inventar fatos!
Os
principais fatos são:
i)
a compra do bem;
ii)
o anterior contrato de locação entre a ré e o vendedor Max;
iii)
o registro de compra e venda perante o cartório de Imóveis;
iv)
a resistência da ré em desocupar o imóvel;
v)
a regular notificação da ré.
Quando
for se referir a um documento, não esquecer de numerá-lo (documento 02,
documento 03, documento 04 etc.).
Fundamentos
jurídicos
Basicamente,
o candidato deve mencionar:
i)
A sub-rogação legal no contrato de locação, de modo que o autor sucede o
alienante, o que garante legitimidade material e processual;
ii)
A não obrigatoriedade de manter o contrato, na forma do art. 8º da Lei
8.245/91, integralmente aplicável ao caso;
iii)
O cabimento do despejo (art. 5º da Lei 8.245/91).
Pedido com suas
especificações
Requerer
a procedência da ação para os fins de rescindir o contrato de locação e imitir
o autor na posse do bem. Note bem: a imissão é uma consequência da rescisão do contrato, ou seja, a ação tem como
finalidade a desconstituição da avença.
Pedir
a condenação da ré no pagamento de custas e honorários advocatícios.
Demais aspectos
Requerer
a citação da ré para responder aos termos da ação no prazo de quinze dias, tal
qual se processa o rito ordinário (art. 59 da Lei 8.245/91).
Não
há elementos para atribuir valor à causa. Deste modo, a melhor redação seria: “Atribui à causa o valor de R$ _______,
conforme o art. 58, III, da Lei 8.245/91”.
Protestar
por provas de modo genérico, conforme se faz no rito ordinário (art. 59 da Lei
8.245/91): “Protesta provar o alegado
por todos os meios em direito admitidos”.
Pedir
deferimento, datar e “assinar” a peça da seguinte forma:
Nestes
termos,
Pede
deferimento.
Local
e data.
Nome
e assinatura do advogado
De
resto, vamos aguardar novas manifestações da OAB, especialmente a questão
ligada ao pedido de antecipação de tutela e à possibilidade ou não de se
aceitar a ação de imissão na posse.
Bons
estudos a todos!
Na lição de Venosa: "A lei presume de igual maneira que o novo titular do imóvel concordou com a locação se ele não efetivar a denúncia no citado prazo de noventa dias. (...) Não efetuada a denúncia nesse prazo, estará mantida a locação com o novo proprietário. Nesse caso o adquirente assume a posição contratual de locador, persistindo a mesma relação contratual já existente (Lei do inquilinato comentada.8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 66/67)."
ResponderExcluirAgora,o trecho do enunciado: "Com isso, Jorge procura o advogado, que o orienta a denunciar o contrato de locação, o que é feito ainda na mesma semana."
Na mesma semana do registro do título no CRI. Ou seja, ele denunciou antes dos 90 dias. Não sub-rogou, portanto, o contrato. Não é Jorge locador. E, de acordo com o art. 5º da Lei de Locações "Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.
Data vênia, a bem fundamentada análise de V. S.ª não subsiste, em razão da ausência de informação do enunciado (transcurso de 90d da notificação, para ocorrência da sub-rogação). Portanto, a única e adequada ação cabível era mesmo a ação de Imissão de Posse.
Olá Amauri. Ótimos apontamentos. Vamos aquecer este diálogo!
ResponderExcluirPelo que vemos na lição de Venosa, o novo proprietário assume a condição de locador apenas após os 90 dias (sem que haja denúncia do contrato).
É uma posição, que respeito, mas não é única.
Qual a situação do contrato antes dos 90 dias? Um contrato de locação com objeto e locatário, mas sem locador? Quem tem direito aos alugueres? Quem pode pedir despejo? Revisional? Contra quem se propõe uma renovatória (imagine a propositura neste intervalo)?
A meu ver, a condição de locador, via de regra, é assumida com o aperfeiçoamento da compra e venda, a partir do que corre o prazo decadencial de 90 dias para a denúncia do contrato (direito potestativo do novo locador, sucessor do antigo proprietário).
Este é o ponto de divergência! Quem entende como você, deve propor ação de imissão; quem segue a posição que eu prefiro, vai mover despejo.
Não vou me surpreender, no entanto, se a OAB aceitar a imissão. A mera existência de séria controvérsia basta para que a banca examinadora tenha bom senso.
E, de fato, confesso que você tem razão num ponto: o enunciado da OAB não diz se o prazo de desocupação já transcorreu (uma falha muito grave!), o que pode, sim, macular a ação de despejo.
Obrigado pelos seus comentários!
Um abraço,
Denis
boa tarde professor Denis! agradeço a prestatividade para o debate. Tomando ciência das novas ponderações de V. S.ª concordo com todos os questionamentos à respeito. O enunciado deixou de lançar elementos fáticos necessários. Todavia, reconheço que a técnica processual que colhe êxito será a demanda de despejo, caso as pertinentes ponderações de V.S.ª sejam arguidas pelos examinandos que confeccionaram a peça de "despejo". Outro ponto interessante é: caberá ao locatário a consignação do valor do aluguel? Sendo a locação direito pessoal, a relação jurídica se transfere igualmente com o direito real de propriedade?
ResponderExcluirobrigado pela atenção professor.
abraço,
amauri
Há alguns dias em uma prova apareceu uma questão semelhante e a resposta apontada pelo professor seria a imissão de posse. Ele argumentou, que não deveríamos fazer a peça como ação de despejo uma vez que o novo proprietário não era o responsável pelo contrato.Como sou marinheiro de primeira viagem nem pensei na possibilidade de não haver um responsável pelo contrato. Mas de qualquer maneira, não moveria uma ação sob nenhuma circunstância antes de tentar um acordo uma vez que essas ações podem demorar tempo maior que se pensa.
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