Cheque pós-datado implica na dilação do respectivo prazo prescricional?

Situação prática e cotidiana: No dia 02 de fevereiro de 2011, "A" emite um cheque "bom para" 15 de março deste mesmo ano. Para facilitar, vamos supor que o título foi sacado na praça em que houver de ser pago, o que significa dizer que deve ser apresentado em 30 dias. Pergunto: 1) Qual o prazo final para apresentação? O prazo para  prescricional começa a ser computado a partir de qual data?

Comentários

  1. 1) O cheque pós-datado é aquele emitido para desconto posterior, sendo comum seu uso em duas modalidades: o cheque “bom para”, emitido na data correta, com menção à data em que deverá ser apresentado a pagamento e o cheque emitido com data futura (a data de emissão do cheque é aquela em que o título deverá ser descontado).
    Tal modalidade não tem previsão legal, porém trata-se de modalidade consagrada pela prática comercial.
    Levando-se em consideração o “caput” artigo 32 da lei 7.357/85 (lei do cheque), que dispõe que “o cheque é pagável à vista e que considera-se não-escrita qualquer menção em contrário”, pode-se considerar que a expressão “bom para” não tem validade.
    Desta forma, o prazo final para a apresentação do cheque será dia 04/03/11, ou seja, 30 dias contados da data de sua emissão.
    Contudo, tendo em vista que a apresentação do cheque antes do prazo combinado gera dano moral conforme reza a Súmula 370 do STJ, a data combinada para apresentação deve ser respeitada, iniciando-se a contagem do prazo de 30 dias a partir de 15/03/11. Assim o prazo final para apresentação será 14/04/11.

    2) Quanto ao prazo prescricional para a apresentação do cheque pós-datado nota-se que não há posicionamento unânime sobre o tema.
    Parte da jurisprudência firmada pelo STJ se posiciona no sentido que o prazo prescricional começa a fluir a partir da data da emissão do cheque, independente de ter sido consignado pagamento em data futura (AgRg no Ag 1159272 / DF; AgRg no REsp 1135262 / DF, REsp 767055 / RS) . Outra parte se posiciona no sentido que o prazo prescricional flui a partir da data “artificialmente” aposta no título (REsp 620.218/GO).
    Se levarmos em consideração os artigos 33 e 59 da lei 7.357/85, e o posicionamento majoritário do STJ, o prazo prescricional começará a ser computado a partir de 04/03/11, considerando-se a emissão do cheque em 02/02/11.
    Ao contrário, se levarmos em conta a data acordada para pagamento, 15/03/11, o prazo prescricional começará a ser computado a partir de 14/04/11.

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  2. Silvia,

    Ótimas considerações. Vamos trabalhar nelas.

    1) O conteúdo da Súmula 370 do STJ altera a compreensão do art. 32 da Lei do Cheque? Acho que as discussões sobre "jurisprudência" podem ser úteis aqui.

    2) O que acha do art. 192 do CC neste contexto (prescrição)?

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  4. Prof. Denis,
    Pesquisei sobre o tema e faço as seguintes considerações:

    1) Embora a súmula 370 tenha sido editada em 2009, ela confirma o entendimento que o STJ vem demonstrando desde a década de 90, no sentido de que a apresentação de cheque pós-datado antes do prazo, gera o dever de indenizar, caso haja a devolução por ausência de de provisão de fundos. Os precedentes que deram origem a súmula 370 são REsp 16.855-SP (4ª T 11/05/1993 - DJ 07/06/1993).REsp 213.940-RJ (3ª T 29/06/2000 - DJ 21/08/2000), REsp 557.505-MG (3ª T 04/05/2004 - DJ 21/06/2004), REsp 707.272-PB (3ª T 03/03/2005 - DJ 21/03/2005), REsp 921.398-MS (3ª T 09/08/2007 - DJ 27/08/2007).
    No meu entendimento a súmula 370 que dispõe que "caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado" vem de encontro ao disposto no artigo 32 da lei do cheque, que aduz que o cheque é ordem de pagamento à vista e que considera-se como não-escrita qualquer menção em contrário e altera totalmente a sua compreensão.
    Entretanto, há de se considerar que a emissão de cheque pós-datado, embora não prevista em lei, é prática reiterada no Brasil. Além disso, há o acordo entre as partes no momento da emissão do cheque, o que poderia ser considerado como um contrato verbal.
    Considerando-se tal acordo como contrato verbal, pode-lhe ser aplicado o artigo 422 do Código Civil que determina que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Desta forma, o destinatário do cheque seria obrigado a respeitar a “cláusula de pagamento à prazo”.
    É nos fundamentos acima que se baseia a jurisprudência, destacando-se trecho do Resp 717.272-PB: “Atualmente o cheque pós-datado, comercialmente denominado de "pré-datado", consiste em ocorrência usual nas relações comerciais existentes no Brasil. O acordo entre as artes foi estabelecido de forma ordinária e verbal, com base na confiança do tomador/apelante em relação ao emitente/apelado, de forma que, o descumprimento do pacto firmado onde ensejo à rescisão contratual do instrumento de compra e venda e responsabilização civil por danos morais.”

    2) Se for levado em consideração o disposto no artigo 192 do Código Civil, que dispõe que os prazos prescricionais não podem ser alterados por acordo entre as partes, a alteração do prazo de apresentação do cheque infringe tal dispositivo, pois a data do cheque “pós-datado” é combinada entre as partes, o que implicará na dilação do prazo para sua apresentação e, conseqüentemente no descumprimento do artigo 192 do Código Civil.
    Como já havia dito anteriormente, ainda não há jurisprudência formada sobre o tema. Há precedentes no sentido de que o prazo prescricional começa a fluir a partir da data da emissão do cheque, independente de ter sido consignado pagamento em data futura; bem como posicionamento no sentido de que o prazo prescricional flui a partir da data “artificialmente” aposta no título.

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